"Na escola era terrível e fui suspensa várias vezes"

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Lembra-se ainda da primeira vez que cantou em público?


O primeiro fado que cantei em público foi Os Putos. Mas a primeira vez que cantei não me lembro.

E teria que idade?


Tinha cinco anos. E eu comecei a pedir ao meu pai para cantar. Eu tenho o nome de uma cantora brasileira, porque o meu pai viveu no Brasil e adorava essa cantora, que se chamava Marisa Gata Manso. Morreu há muito pouco tempo. Os meus pais tiveram imensos problemas para ter filhos, o casamento esteve péssimo. A minha mãe tinha tido vários abortos espontâneos, teve uma bebé, antes de eu nascer, que fez a gravidez toda normal, nasce e morre. Passado um ano volta a engravidar de mim e aos seis meses arrumo a mala e digo: "Quero sair, estou farta de estar aqui dentro, isto já não me interessa."

Foi prematura... Os seus pais assustaram-se?


A minha mãe tinha muita fé. Mas o meu pai assustou-se, porque já tinha tido muito más experiências. E a minha mãe obrigou-o a ir à maternidade, para me ver. Então o meu pai conta que, quando chegou lá, viu um bebé muito feio que esperneava muito, tinha muita energia. Ele foi à capela da maternidade e fez uma promessa: que eu iria ser cantora e que me chamaria Mariza . E assim foi. Eu acho que ando a pagar uma promessa dele. Às vezes, quando eu me zango com ele digo: "Caramba, eu é que ando a pagar a tua promessa, porque é que não arrumas tu a mala e vais tu?..."


Nasceu em Moçambique. Com que idade vem para Portugal?


Com cinco anos, quase a fazer seis. E como eu faço anos em Dezembro, havia uma lei que dizia que eu não podia entrar logo na escola.

Ficou um ano à espera…


Então ajudava lá no restaurante dos meus pais, servia às mesas, fazia o que uma criança pode fazer naquela altura. E cantava ao fim-de-semana. Achava já que era importantíssimo, e tinha o meu xaile. E até me chamavam "o Passarinho".

Cantava cedo...


Depois tinha de ir para a caminha. Só que eu era muito teimosa, eu era maria-rapaz à séria. Nunca vão ver uma foto minha de vestido, a não ser da Primeira Comunhão. Era calças, e era danada da breca. E a minha mãe sofria imenso com isso, porque a única menina… As pessoas acham que o cabelo curto foi uma experiência que eu fiz como uma imagem de marketing...

Como surgiu, então, o cabelo curto?


Há alturas da minha vida, muito estranhas, em que eu corto o cabelo. Uma delas, eu tinha feito 12 anos e tinha ficado muito doente. E nessa altura, que andava sempre entre hospitais e casa, casa e hospitais, há um amigo dos meus pais que vivia dos Estados Unidos e que me dá 500 escudos. Eu tinha o cabelo debaixo das costas, todo encaracolado. E pego nos 500 escudos, vou ao cabeleireiro da zona e disse à senhora "corte-me o cabelo pente 4". Cheguei a casa feliz e contente da vida e apanhei a maior tareia da minha vida, não me lembro nunca de a minha mãe me ter batido tanto! (risos)

Na escola, era uma aluna aplicada?


Na escola eu era terrível. Fui suspensa várias vezes. Descia pelo cano... Eu estudei no Gil Vicente, e a Maria Rueff diz que se lembra de mim, mas eu não me lembro dela... Devia ser mesmo um terrorzinho, porque havia uns amigos meus que fugiam às aulas, faziam gazeta, e ficavam com uma guitarra a tocar blues e outras coisas. Eu estava na aula, sentava-me sempre ao pé da janela, a ver o que é que se estava a passar, em vez de estar a ver o que é que o professor estava a falar.

Quando voltou a contactar com as suas raízes em Moçambique?


Aos 18 anos o meu pai decide que eu devia ir a Moçambique. Porque eu podia escolher a nacionalidade que queria, já que tenho uma mãe africana e um pai português (apesar de a minha mãe ter sido sempre portuguesa).

E o que sentiu ao regressar?


Regresso e não me consegui identificar. Tinha imagens do que a minha mãe me contava, mas coisas muito vagas… Toda a gente dizia "ah, era lindo, era maravilhoso", e eu vou com essa ideia. Quando chego lá, tenho um país acabado de sair de uma guerra civil. Íamos ao mercado, vínhamos com medo que nos roubassem. E eu nunca tinha passado por isso. Estava muito calor em Moçambique, e não sei se foi uma atitude também de rebeldia, mostrar que não tinha gostado. E volto a cortar o cabelo pente 4.

Outro corte radical?


Chego a Lisboa, a minha mãe não me reconhece sequer no aeroporto. Depois passam estes anos todos e antes de eu fazer o meu disco, volto a cortar o cabelo. Só que desta vez fui um bocado mais radical, pus loiro!

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